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RE-MONTANDO IMAGINÁRIOS Por Pedra Silva

Posted by Nóis de Teatro On 16:45 No comments


 


Em 1863 a província do Ceará decretou que não existiam mais indígenas neste território, beneficiando os ladrões de terra e os traficantes de escravizados. Abrindo assim, uma lasca falaciosa entre o esquecimento e a memória nativa. Deixando turva a identidade de um povo. Forçando mais uma vez populações minorizadas a experienciar apenas o campo da subalternidade. Tornando indígenas em flagelados e flagelados em favelados.

 

O ceará-colônia, ceará-pecuária, ceará-seca, ceará-binário, ceará-branco é um delírio criado para beneficiar poucos, para manter casarões, para legitimar a existências de sinhôs e sinhás, para confundir a retomada. Há um delírio romântico na literatura que forja o nascimento desta Terra. José de Alencar em Iracema, escrito em 1865, nega a presença de negres diasporiques e cria um Ceará feito a partir da “miscigenação democrática” entre brancos e indígenas. Apagando a história de bravura e coragem que os povos nativos desta Terra aliançado aos povos indígenas de África fizeram em defesa de suas cosmopercepções e ancestralidades.

 

Assim, me pergunto: os arquivos escritos por mãos brancas determinam a verdade sobre a existências de populações nativas e racializadas? E num só sopro digo que não. É preciso encarar a historiografia como um lugar a ser disputado. Pois como já questionada Juão Nyn: “é possível demarcar terrytóryos fýsycos sem

demarcar ymagynáryos?”. É preciso sair da binaridade racial e expandir o campo de retomada pelo caminho da ancestralidade, tudo isso como muita responsabilidade e compromisso. É preciso entender as polifônicas rotas de identidade dentro do Siará.

 

Outrora em minha vida me coloquei como uma pessoa cis e negra. Eu estive em um lugar, diferente, por vezes, de pessoas que estão fazendo a retomada e nunca se sentiram pertencentes identitariamente. Mas o que isso implica em minha retomada? Acredito na encruzilhada, na cruza, na tranca-e-destranca, desmoralizo a pureza Percebo a retomada com uma prática cara, sem volta e fortalecedora. Minha retomada leva em consideração minha corpa travesti, minha missão espiritual no Abassá de Omolu Ilé Iansã, meu entendimento que sou uma corpa em transmutação, as narrativas de minha família materna e paterna, os territórios ancestrais onde nasceram meus avôs.

 

Com a retomada ampliei minhas fugas, minhas rotas, minhas formas de ver meu povo da quebrada. Pois como já diria Kae Guajajara “eu sou indigena, indigena favelada”.

 

Eu fico imaginando se um dia o alzheimer colonial cair por terra e A Terra nos relembrar quem somos de verdade. Imagina, todas as guerreiras e guerreiros indo buscar o que foi tomado. Imagina, a gente acessando as memórias ancestrais, praticando nossas tecnologias de sobrevivência e cura com as mais velhas e as kuriminhas. Imagina, a favela toda se entendendo como kilombo-aldeia.

 

É para isso que a gente re-tornou, re-voltou, re-tomou. Para não esquecer mais quem a gente sempre foi e sempre vai ser.

 

Fortaleza, 26 de setembro de 2021

 

com re-volta e sentimento de in-corpor-ação

as parentas que vem se achando (aconchegando)

por mais que essa terra toda esteja

banhada de sangue



 

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