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UM OLHAR SOBRE O ESPETÁCULO “O QUE MATA É O COSTUME” do Grupo Nóis de Teatro

Posted by Nóis de Teatro On 05:47 No comments

Gilvan de Souza – Integrante do grupo Escuta de teatro & Música, estudante de licenciatura em Teatro no IFCe e colaborador no Projeto Regra de Três.
Não há como omitir que há um olhar refinado sobe o trabalho, fruto de preparado,ensaio,estudo, só isso já faz do espetáculo digno de apreço pelo respeito que o grupo dedica ao ofício que exercem.
O espetáculo é formado por duas esquetes,que são denominadas de Atos.Dentre eles, o primeiro intitulado como “Aquele que diz Sim”, percebemos que é inegável a intencionalidade  de buscar o efeito de distanciamento brechtiano sobre a platéia.
Fica evidente com isso que não só estão apresentando o trabalho para o público,como também querem que esse mesmo compreenda que o que estão mostrando ali em espaço aberto(não propriamente na rua – era o espaço do que poderia ser uma quadra de futebol ou adro de uma igreja) o produto de uma ficção ou ,quando muito, uma alusão a uma provável  realidade.
Partindo desse pressuposto, admiti que os olhares que os atores fixamente nos direcionavam, o dedo em riste, o uso das armas de brinquedo eram provas de que  tanto estavam simulando uma realidade,colocando-se por trás das personagens para expressarem-se ou de ainda com leveza referirem-se à truculência da guerra subtituindo balas por borrifadas d’água.
Houve claramente duas histórias:esta, contava a trajetória de um garoto que seguindo as convenções tradicionais de sua família aceita ingressar na forças armadas como militar, demonstra fraqueza e é punido por seus superiores devido a isso.
É interessante perceber que embora o gênero feminino tenha direta ou indiretamente participado de vultosos conflitos como o foram as I e II Guerras Mundiais, por exemplo, a dureza, discurso intolerante e impiedoso não é tão forte vindo de uma mulher(Pode até ser que sim,talvez com o sentido de falta de esperança, quando aquela que propicia  o surgimento da vida é a mesma que elimina-a,mas esse não é o caso deste espetáculo)
A condição feminina ali é em si estranha.Feminina sim,são militares, a mais forte fisicamente dentre elas dá cabo de impor a sua força,mas mostram-se também paralelamente sensuais e excitantes ao som do vídeo clip de ninguém mais representativa que a super star Madonna.
A impostação do texto e o fardamento dentre os caracteres próprios de um militar são o que impedem que a impressão da platéia recaia numa outra dimensão que seria  a questão de gênero.O ator que é punido que encarga “o garoto” também não apresenta caracteres físicos ou outros signos que denotem que ele representa  tal sujeito.Sua personagem é com certeza um moleirão,capacho ou medroso,mas não é em verdade, tão frágil que não pudesse reagir.Até gostaria  como público que ele reagisse,mas não contra mullheres,pois tenho a compreensão que ele poderia ser bem mais arrasador e destrutivo.
Ainda contagiados pelo clima do início( de que são atores  e atrizes representando),sabe-se que os atores não estão correndo qualquer risco iminente que comprometa sua integridade física,mas ainda assim é desconfortável ,como público,assistir aquela sucessão de agressões e abusos de poder sobre aquele ser.Não chega a ser chocante,é verdade – a banalização da morte nos é mostrada todo dia - mas é sem dúvida inquietante.
A projeção (desse tracho em que se dão os abusos) pela tv foi muito interessante, porque tanto indica que autoridades como aquelas detém de espaço midiático para se pronunciar e defenderem seus interesses, como também de certa forma nos questionava a compreensão como público sobre em qual dos meios(se presencialmente ou no espaço teleológico) a mensagem se tornava mais “ao vivo”(entenda-se,mais autêntica e intensa para quem estava assistindo).
Já no segundo Ato do espetáculo,ou em “Aquele que diz Não”,três irmãs são pressionadas por uma mãe paraplégica a casarem-se, cumprindo um certo ideal legado à mulher.
Notamos que a ironia (sem forsação)que fica em destaque por trás da representação das atrizes é torna-nas autoridades(autorizadas por nós que continuem,embarcamos na curiosidade de conhecer suas histórias).Quanto mais as atrizes mostram-se apenas travestidas, mas subjetivamente inadequáveis e contrastantes com  o perfil ideal das noivas de telenovela,mais fica evidente a crítica a esse modelo anacrônico e alienante, enlatado pela mídia para o consumo das massas.
Destaco aqui a maneira poética e bela como  o grupo concebeu,sob a direção de Altemar di Monteiro, instigar o público a participar da cena:no momento em que uma das filhas, opta po realizar o aborto,estamos como platéia, cada qual com uma bexiga(balões usados em festa de aniversário) nas mãos(simbolizando o feto que será retirado do útero da personagem) e podemos optar por sermos cúmplices ou não com a realização daquela ação.
É ,em geral, perceptível a coragem,sensibilidade e inteligência suficientes no grupo Nóis de Teatro para ir de encontro ao costume.
Há que se refletir ,contudo, alguns momentos em que os atores demonstram-se inseguros ou intranquilos para ocupar aquele espaço aberto(ainda que na sede do grupo, onde deveriam estar mais que a vontade ,e ainda, num espaço bem mais amplo que a caixa cênica italiana ,daí que possuem bem mais liberdade de cada intérprete deslocar-se, fazer movimentos e cenas simultâneas em espaços diferentes).
Há a questão também de que o público sabe:
a sua hora de ir embora(tratando-se de Teatro de Rua então nem se fala, onde o público se formará ou desfazer-se-á conforme for atribuindo maior ou menor valor à possiblidade de continuar ali assistindo) e
 qual sua melhor forma de participar do espetáculo(se caminhando ou parado,calado ou falando etc - chamo a atenção para o maquinário que utilizam : se não querem expo-lo ao risco de que alguém tope nele acidentalmente ou que venham a mexer de forma que prejudique  a boa realização do trabalho, que o grupo tome por si as providências necessárias). É  irrelevante e até contraprodutivo a direção ou o outro(a) integrante do grupo tocar nesse assunto. O público é uma massa não homogênea, que pode se modificar de um instatante para outro, então a quem você estaria indicando, por exemplo, que “não toque”,”não mexa”, que faça isso ou aquilo?A um público daquele instante e volátil.
Pode haver outras formas também elegantes de encontrar uma participação amistosa para ambos os lados.O fato é que qualquer possibilidade posta em cena ou elencada, é possibilidade a ser  vivida,assunto a ser tocado,ordem a ser quebrada,enfim.
Faço votos de que o trabalho do grupo seja o de equiibrar suas  expectativas e a relação que estabelecem com o público, para que estes permaneçam ao máximo(Posso dizer que foi bem compensador ficar até o fim mesmo de todo o espetáculo).
Sigam portanto, burlando e assim sobrevivendo às garras do costume;explorem e ampliem a ousadia e criatividade que demonstraram em sua estréia e assim, o grupo Nóis estará trazendo à rua não só a referência a uma sala-de-estar, onde isolados assistimos a uma TV,como principalmente para a rua(um cenário público e agregador) o prazer de intervir sobre a realização “do programa “ e cada vez mais próximos do sentimento e do gozo da liberdade.

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