Danilo Castro
08/08/2012
08/08/2012
Cada espaço tem uma vida invisível latente. Na verdade, nós é que somos
um pouco cegos e não percebemos detalhes do dia a dia que são potentes armas
cênicas. Apresentar-se na rua significa também estar disponível a ela. Há uma
dinâmica independente em locais abertos, onde não há acordos ritualísticos
pré-estabelecidos com o público. Não basta descentralizar levando teatro para
qualquer lugar se não houver também um entendimento do fluxo que cada espaço
propõe. Afinal, nem todas as praças são iguais.
Após duas horas de atraso, o espetáculo O que mata é o costume,
do grupo Nóis de Teatro, entrou em cena na Praça do Mucuripe, ao lado da Igreja
da Saúde. A justificativa para a demora é plausível: o pároco só permitiu
apresentação após o término na missa, pois o barulho atrapalharia. Aos meus
olhos, tal impedimento já era espetáculo, a cidade mostrando que pulsa. Com a
possibilidade de troca da locação, houve mais demora para a montagem do
espetáculo finalizar-se. No ritmo de um festival, é praticamente impossível
atentar a tantos detalhes, mas compreender a especificidade de um espaço comunitário
e penetrá-lo como água em esponja é mais aconchegante que entrar sem pedir
licença.
Altemar di Monteiro é arrojado, irreverente, propõe uma releitura
de Aquele que diz Sim e Aquele que diz Não (1930), de Bertolt Brecht, ao
som de Beyoncè, Rihanna, Britney, Adele, Madonna, Michael Jackson, dentre
outros ícones pops. Nas lacunas estrategicamente deixadas no texto do
dramaturgo alemão, o coletivo (da Granja Portugal, com muito orgulho) encaixou
sua visão caleidoscópica de um mundo tecnológico, pop, descartável, erótico,
alienado, urbano, conservador, machista, violento...
O público é convocado à reflexão, questionado sobre seus costumes, como
na cena onde a atriz Edna Freire encena a decisão sobre o seu próprio corpo,
abortando o filho. São temas infindos, alguns polêmicos, outros nem tanto, em
um espaço frenético numa estética superabundante. É uma overdose sígnica no
meio da rua. São tantas coisas ao mesmo tempo, que mal dá para digerir tudo. É
estranho ao mesmo tempo em que é interessante por romper com os estereótipos do
teatro de rua, muitas vezes marcado por uma dramaturgia simples, cômica,
lúdica, musical e regionalista.
Os aparatos tecno-cênicos, como câmeras fotográficas, filmadoras, DVD,
aparelhos televisores, controles remotos e microfones instigam na mesma
proporção em que colaboram com o caos. Sim, o caos proposto é maravilhoso, mas
paradoxalmente talvez precise ser um “caos organizado”. Será possível? Além
disso, é necessário pleno domínio técnico de toda a parafernalha trazida à cena
para que não haja falhas que prejudiquem o andamento da encenação.
Institucionalizar em um lugar desinstitucionalizado pode não ser uma boa
estratégia. Talvez seja melhor não criar pactos para o início e o término dos
atos, como apresentar o elenco, criar regras. Elas falam por si, se estabelecem
sozinhas, e os atos podem ser melhor arrematados, porque a forma proposta é
riquíssima, plural, cheia de possibilidades, mas o grupo ainda está inferior à
própria obra. Nada que não se conquiste com mais chão, elaboração e refinamento
do produto valioso que o coletivo construiu.
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