Por Nayana Santos
O sentimento de
estranhamento, talvez curiosidade, mas ainda sim estranhamento. Um lugar novo
onde nunca pisei. Ruas e estradas onde pessoas, caminhões, bicicletas, animais,
passam cotidianamente seguindo para a cidade, cumprindo um curso já estabelecido.
Com pressa, com fones de ouvido, com preguiça, cansados da rotina, cansados da
mesma rota, cansados de estar ali e de sempre ir pra lá. Fazer o mesmo percurso
de gente que não tem mais ânimo para aquilo me fez perceber o quanto morar em
uma cidade projetada, uma cidade que só cresce, que não consegue mais parar, uma
cidade 24 horas, pronta pra mim pra o que eu precisar. Fazer esse percurso e
lembrar que o mesmo sentimento destas pessoas com suas rotinas de alguma forma refletem
na minha rotina. Ambientes diferentes, mas todos em caminhada para algo
parecido. Uma peregrinação para “construir meu futuro”. Andar no “sentido contrário” indo na contra
mão, me mostrou o quanto essa peregrinação perde, o quanto que é deixado para
trás, o quanto não é percebido, passar todos os dias pelo mesmo caminho e
acostumar-se a sempre ir por ali é perder tanto. Talvez seguir pelo mesmo lado
não se torne o caminho mais longo que o normal, tornando minha visão
unilateral, passar todos os dias em frente a um casebre e não perceber que ele
não está mais ali depois de um tempo é perceber que o tempo passa, as coisas
acontecem e eu perco e estou perdendo.
Essas caminhadas longas,
o calor, a busca por sempre querer chegar, por sempre saber aonde chegar, o
tempo, contar o tempo, não permitir perder-se. Tudo isso que já está
condicionado à minha rotina “capital”, inevitavelmente é carregada para minha
rotina “no interior”. Quando me atento a perceber, sentir, olhar de verdade os
lugares onde passo, escutar meus passos no chão de terra, o barulho do tênis no
asfalto, sentir meu pé descalço no barro do açude. Sensações que talvez se
perderiam, mas que não seriam esquecidas.
Apesar de toda a invasão
humana em espaços que seriam bem mais bonitos sem sua interferência, olhar as
montanhas e contemplar, olhar o céu e conseguir dormir em paz com a imagem da
lua e das estrelas, deitada na laje, sentindo a brisa noturna que, por alguns
instantes, faz-me “esquecer” o mundo.
Esquecer que eu conseguiria fazer isso na minha casa, esquecer que não
poderia fazer isso pela violência do meu bairro, pela sirene da policia, pelas
luzes dos postes, pelo barulho alto da TV do vizinho. Correr de encontro ao mar
e sentir uma brisa boa acompanhada do barulho do mar. Isso, isso jamais será
esquecido ou perdido.
Dias de experiências,
dias onde olhar o ambiente e tudo que se encontra e o compõe se tornou a coisa
mais importante a se fazer. O estranhamento onde a ideia em “parar e olhar” é
tão grande, que quando se mergulha nessa ideia e você passa a andar novamente
na sua rotina, nas ruas onde já se sabe qual destino ira levar, seu olhar já
está mais atento, mais sensível, você sente a necessidade de passar a olhar a
rua, seu movimento, as pessoas que estão ali e o que acontece ali.
Converter tudo isso a
vídeos é tarefa difícil. Usar todos os conceitos apresentados, o sentimento que
cada pessoa teve ao longo dos dias de viagem, criar referencias e desconstruir
o que já vinha na nossa cabeça sobre os lugares visitados. Usar das
“dificuldades” que cada morador de cada cidade tem, para poder entender mais o
que é flanar. Tantas coisas produzidas, tantas coisas conversadas. Sem duvida
experiência rica para cada pessoa que viveu, tudo que foi feito, cada dia onde
o que era proposto ia de frente a minha rotina, me fez enxergar o quanto eu
perco e o quanto eu preciso fortalecer no que eu já venho fazendo.
O conceito flâneur esta
entranhado em Nóis e essa viagem o aflorou e causou em mim o desejo de usá-lo e cada vez mais em
minha rotina barulhenta, cômoda, programada.
O projeto “Flaneur – Um Olhar
Poético Sobre as Ruas do Ceará” é vencedor do Prêmio Funarte de Artes na Rua
2014. Para saber mais sobre o projeto clique aqui.
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