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A guerra do Nóis

Posted by Nóis de Teatro On 20:00 2 comments

Crítica escrita por Fernando Leão, sobre a pre-estreia do espetáculo "O que mata é o costume!", no dia 16 de abril de 2011.

Querid@s,

Bom ter estado em vossa pré-estréia, compartilhar com vocês esse primeiro diálogo, sentir desse grupo a coragem, o desejo e a competência de fazer teatro. Bom teatro, aliás, pois que saí da apresentação cheio de reflexões, pensamentos, euforia.

“O que mata é o costume” é intimamente inspirada no ‘jovem Brecht’. O Brecht que não seguia os textos clássicos – sequer seguia seus próprios roteiros – pois que os “traía” a cada récita, se isso tornasse o diálogo preciso. O Brecht do “aqui-agora”, do que realmente importa a nó(i)s, daquilo que está preso, mas não por muito tempo. Enfim, o Brecht da eterna esperança. E, nesse sentido, o Nóis conseguiu apresentar um Brecht vivo, recriando as “sagradas” técnicas de “Efeito V” em algo tão natural e espontâneo, tão longe do museu de imagens copiadas do ‘velho Brecht’.

E quanta coragem foi necessária para fazer isso? Muita coragem! Como de muita coragem dependeu a postura de assumir a guerra do mundo como sua própria guerra. E diante disso, o grupo não recuou um centímetro sequer. Assumiu-se fundamentalista, kamikaze. Homens e mulheres-bomba que se explodiram, se esfolaram, e mostraram suas entranhas, suas incoerências, suas fragilidades, daí, todo seu ser humano, demasiado humano.

E isso não é tudo! Antes que alguém pense que se trata de uma peça “dedo em riste”, a cena “desmunheca”, debocha, subverte a história e a ideologia, misturando o ato cênico com vídeo-clipes de artistas pop e referência a talk-shows, e apresentando um exército de Brancaleone que destrói conceitos de ordem, de disciplina, de virilidade. E, se não bastasse a discussão do tabu da homossexualidade, alia-se tal debate à figura-índice do povo cristão, tudo isto no adro da igreja da Rua Barra Vermelha, em meio a fiéis e a gente simples da Granja Portugal.

O ato 2 traz ainda mais tabus. A tão sonhada cena de ver as filhas casando é a deixa para pôr em cheque a figura da “mãe-social”. A discussão de gênero segue de modo exemplar. Questionamentos a respeito de ser esposa, ser filha, ser fiel, ser obediente, ser sensual, ser profissional, ser mãe, culminando com a bela e bem construída cena em que se discute o polêmico tema do aborto. (Eu não conseguia abstrair o local em que se apresentava toda essa discussão feminista, justo no quintal da patriarcal igreja católica)

Podemos dizer que a peça está perfeita? Tal predicado é estranho à arte teatral. A peça está muito boa. Conta, é verdade, arestas a serem lapidadas, mais no ato 1. Percebemos que há uma abundância de idéias, de elementos, e que há passagens apenas saboreadas, ainda não digeridas pelo corpo-encenação. As cenas com coreografias estão sujas, com alguns atores parecendo pouco à vontade. Por vezes, temos a sensação de que a peça está muito esquemática, faltando-lhe os ‘ligâmens’ entre as cenas e/ou com ritmo truncado. No ato 2, a cena final pareceu-me confusa. Aquelas que disseram ‘não’ se juntam ao “pai-capital” contra a “mãe-social”? O “pai-capital”, derrotado, une-se aos outrora oprimidos?

Bom, menin@s, fico por aqui. Feliz por tê-l@s conhecido e participado desse bonito processo. Minhas congratulações, meu grito de MERDA e meu desejo de vida longa e fecunda ao “O que mata é o costume”!

Com carinho,
Fernando Leão"

2 comentários:

Crítica muito boa! Construtiva principalmente, por lê-la deu-me vontade de assistir à peça. Farei o possível para isso! Depois que assisti-la farei outro comentário. Clarissa

O espetáculo " O que mata é o costume!" Foi um dos processos mais loucos e gratificantes em que já passamos. Louco porque nos sentimos livres para debater, criar e tocar em feridas nossas e da sociedade. Gratificante pois nunca mais seremos os mesmos após essa montagemmos, e sabemos que essa mundança so nos fez crescer, como pessao e artista. Estou muito feliz com o resultado, mas com a certeza que muito ainda temos que fazer para que o espetáculo continue cumprindo o seu papel, o de levantar debates. Henrique Gonzaga

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