.

.

About

CONTRA A ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA - NÓIS DE TEATRO EM ITAPIPOCA-CE

Posted by Nóis de Teatro On 11:53 No comments


Por Jonas de Jesus e Bruno Sodré



A viagem do Sertão.doc pelo município de Itapipoca começou no dia 30 de novembro de 2011, rumo a casa de teatro dona Zefinha a nova parada da arte/ cultura do município, o espaço de invenções como o grupo costuma chamar foi inaugurada em abril deste ano e vem tendo ótimos resultados e para o grupo voltar onde iniciamos a nossa pesquisa com Orlângelo Leal, agora com tudo pronto, foi sensacional.

O município de Itapipoca fica aproximadamente à 300 km de Fortaleza. Sua imagem reflete ser um lugar de festejo, apesar da pequena área com mais ou menos 190 mil habitantes. É lá que está a sede da Dona Zefinha, um grupo constituído por três irmãos com o sobrenome “Leal” e que hoje tem agregado suas companheiras e filhos. O grupo Dona Zefinha é um dos grupos que, ao longo dos seus dez anos de trabalho, utiliza da arte como um processo de desenvolvimento sustentável, trabalhando com dança, teatro, música, dramaturgia e produção cultural, conseguindo se tornar referência na cidade de Fortaleza e, respectivamente, na cidade onde estão inseridos: Itapipoca-Ce. Uma das fortes características do grupo é o engajamento com a cultura popular local. Orlangelo Leal, o líder do grupo foi quem fez acessória de pesquisa e musical do espetáculo Sertão.doc; Joélia Braga, companheira e também integrante do grupo, também esteve no processo do nosso espetáculo confeccionando o figurino; esses vínculos contaram para que viéssemos fazer essa apresentação na cidade.

A casa Dona Zefinha é uma conquista do grupo que há quase um ano vem promovendo atividades teatrais na cidade de Itapipoca. ”O objetivo da casa não é de promover oficinas e/ou cursos artísticos, visto que já existem iniciativas em torno dessa direção, mas de proporcionar formação de platéias, sendo um espaço cultural”, é o que nos fala Orlangelo Leal. Apresentamos o espetáculo “Sertão.doc” num projeto desenvolvido pela “Casa” chamado “Rua da Alegria”.

Ocupamos uma praça bastante movimentada no centro da cidade, alguém falou que era a primeira vez que o projeto “Rua da Alegria” apresentava ali. A princípio pensamos que não haveria público, mas aos poucos foram chegando, as crianças logo se fizeram perceber como público motivante, com elas os pais se aproximaram. Durante a montagem percebemos certo interesse de alguns transeuntes que passavam e perguntavam curiosos – O que vai acontecer ai? – É um espetáculo teatral! Respondíamos.

Mais uma vez o sertão.doc modifica a rotina atemporal do município com suas bicicletas e mascaras e as imponentes cores vermelhas, o fato de estarmos ali montando o cenário já atraia o público que ficou até a última cena, tivemos uma ótima interação com as crianças que entrou nas cenas.
          


Assentamento Maceió.

No dia seguinte arrumamos nossas malas para o assentamento Maceió que fica a 200km de fortaleza e que é dividido em onze comunidades: Apiques, Córrego da Estrada, Coqueiro, Jacaré, Humaitá, Bode, Mateus, Córrego Novo, Bom Jesus, Lagoinha e Maceió (Fonte: www.tucum.org/). Por ser uma região do litoral o caminho foi um pouco difícil o carro atolou, mas mesmo assim conseguimos chegar, durante todas as viagens que o sertão fez não pensávamos se o caminho estava alagado por conta das chuvas ou se estava com muita areia, seja no sertão ou litoral, pensávamos em chegar e conhecer os assentamentos, uma vontade de conhecer mais uma história de luta pela terra. Essa vontade se explica pelo motivo de que cada região/assentamento tem sua história especifica de ocupação, por exemplo os assentamentos da região do sertão tem uma luta contra os fazendeiros que com suas vastas extensões de terra não utilizam nem 20%, deixando um enorme espaço em esquecimento e o pior é que cercam com arames e estacas marcando o seu poderio econômico e o tamanho de sua ganância. Além do fazendeiro existem grandes empresas que montam seus gigantescos negócios, seja ele de plantações ou de bebidas alcoólicas. No litoral a situação dos assentados é a luta contra empresários do ramo de turismo que brigam na justiça por toda a faixa de areia e o consumo total da riqueza que o mar oferece (peixes,cultivo de algas e beleza natural). Com o assentamento Maceió não é diferente, os assentados buscaram a parceria com MST e formas de turismo solidário (rede tucum) para fortalecer a permanência na terra.



O assentamento Maceió fica numa região praieira do município de Itapipoca- Ce. O lugar é um verdadeiro paraíso tropical, onde guarda um patrimônio cultural natural muito rico que constituem a praia, as dunas e a vegetação. Por ter uma beleza paisagística que já não se encontra mais na maioria das praias de Fortaleza, o lugar é cobiçado pelas especulações imobiliárias a favor da prática do turismo lucrativo.

Os assentamentos que vivem em regiões praieiras estão constantemente em conflitos com as classes turísticas e estrangeiras, a exemplo, na visita ao assentamento Sabiaguaba que fica nas proximidades, beirando mar do assentamento Maceió, ficamos sabendo do Projeto Pirata que, pelo que compreendemos, visa a evasão das famílias assentadas para a construção de hotéis, bares e restaurantes turísticos. Esse é um grande projeto que assombra as famílias desses assentamentos.



Conversando com um assentado ele me falou da disputa pela terra que estava acontecendo contra os empresários do ramo de turismo, para ser mais exato contra o “PIRATA”, que afirma ser dono das terras e briga na justiça contra a ocupação, lembro-me agora de um outro assentamento que visitamos e que luta contra o mesmo empresário o assentamento Caetano de cima que está na mira dos empresários. Será que a ganância é para garantir toda a faixa de areia de norte ao sul?

Agora tenho a certeza de que Fortaleza está e sempre foi entregue as moscas toda sua faixa praieira foi tomada por empresários estrangeiros que com os seus hotéis e casas de show ganha mais força com o governo, virando um ciclo vicioso (mais turista, mais dinheiro/mais monumentos bonitos, maior visibilidade para ganhar mais verba federal). A luta dos assentados é o que mantém a beleza do local intacta, só modificada pelo vento que desenha traços nas dunas, fazendo-as mudar de direção ou pela sensação de ficar parado na praia sentindo as águas termais (hora é fria outra hora morna), sensações que são impossíveis pensar que poderiam ser privadas. Um dos atores fez o seguinte comentário “e pensar que Fortaleza já foi assim”, repito e, digo mais: “e pensar que novamente alguém quer mostrar seu poder econômico e mostrar a ganância”... Que a luta continue e que a vitória dos assentados seja conquistada por que o que percebemos ao final da apresentação é a afirmação de que a luta não acabou.

Aprendendo lições de beira-mar.

Seu Zé foi um pescador que nos guiou até o banho de águas doce em lençóis, era uma piscina de água salgada e que na parte de cima era gelada e em baixo quente, ele nos disse que contraditoriamente no inverno a piscina natural seca e no verão enche. Falou do seu ofício de pescador e que varia sua entrada no mar, às vezes vai à semana toda e às vezes entra apenas três vezes, dependendo da “puxada”. Disse ainda que fatura uns seiscentos reais por semana que dá pra sustentar a família e fazer a manutenção de sua barca, mas que esse dinheiro não paga o risco que corre dentro do mar, o mar é muito traiçoeiro, só vai mesmo porque é a maneira que encontrou de sobreviver, nos diz ele dando ênfase, aprendera a pescar aos treze anos de idade acompanhando os mais velhos. Seu Zé também falou da especulação imobiliária que já começou a incomodar aos arredores, um grupo de Holandeses que vê interesse vantajoso na região. O homem de 48 anos de idade muito bem vivida fala com gosto da beleza daquele lugar, habitada apenas pelos nativos, se orgulha da tranqüilidade e de poder ser de lá. Por fim o velho Griôt dos mares nos ensina as malícias de conduzir uma barca em alto mar, de como pode percorrer contra o vento e o que fazer quando a barca virasse um episódio que acontecerá com ele no dia anterior à nossa conversa.



A apresentação
           
A apresentação foi articulada em parceria com o Projeto Arte e Cultura na Reforma Agrária, do INCRA-CE. Apresentamos na Escola Rural do Assentamento Maceió, um espaço fantástico com ampla estrutura, a falta de água era perceptível, pois a bomba estava há uma semana quebrada. Na ocasião da apresentação havia uma avaliação do MEC e que os alunos não poderiam deixar de fazer, coisa do “sistema”, por esse motivo o espetáculo só pode se apresentar depois das vinte e duas horas. Ainda antes houve a socialização do trabalho com um grupo de jovens e adultos feito pelo músico e educador social Paraíba, num projeto articulado entre o Projeto Arte e Cultura na Reforma Agrária e a ACARTES, com patrocínio da SDT. Era o momento de lançamento para a comunidade dos livretos “MACEIÓ EM CORDÉIS” com as histórias: O Pescador Pensador, A Droga é uma Droga de Francisco Gaspar; Uma História de Luta de Maria da Paz; Tragédia no Mar de Antonio Sousa e Maceió - Cultura e Beleza de Zezinha, todos cordelistas do Assentamento Maceió.

Fizemos a apresentação espetacular para um grupo de sessenta pessoas resistentes, pois o espetáculo se encerrara às 23h20. Ao final ouvimos a fala de alguns líderes do assentamento que se faziam presentes bem como da diretora da escola que em sua fala fez um lamento da escola não está preparada e mobilizada para ver o trabalho do Nóis de Teatro que, em sua avaliação, é uma aula para aquele público estudante.

O que fica para o Nóis de Teatro, sendo que essas duas apresentações fecham o ano de 2011 e praticamente o projeto de circulação apoiado pelo BNB, é que é preciso se fazer uma arte mais engajada, que transforme a vida das pessoas, que possamos pensar em estética teatral, mas que não fiquemos apenas nessa discussão e sim entremos na discussão das coisas que afetam a vida das pessoas, pois o nosso teatro é de rua e, só por sê-lo de rua, ele já é político.

0 comentários:

Postar um comentário