RETA FINAL - EXPERIMENTOS E DESCOBERTAS NO PROJETO PERIFÉRICOS

PERIFERICOS

Por Kelly Enne Saldanha

Enfim o texto foi montado. Depois de um oco criativo, pois ficamos muito tempo sem produção devido à falta de organização quanto àquilo que havíamos produzido, mas no final ficou um texto bem interessante. Divididos em monólogos, trabalhamos com traumas causados por acontecimentos relacionados com as armas. O pai vitima de um tiro acidental por um amigo; A mãe, em desespero pelo assassinato de um filho; e a criança, desorientada com tanta violência ao redor. Assim é resumidamente o texto de cada ator.

Como processo de experimentação e pesquisa do espaço pelo grupo, optamos por trabalhar na rua de maneira intimista. Usaremos a tecnologia para nos favorecer, para dar mais visibilidade aos pequenos gestos, às pequenas palavras, ao mínimo.

É um texto dramático e como tal, trás um peso à cena. O grito, desespero, choro, medo tudo vem à tona. São sentimentos difíceis de trabalhar em cena, principalmente na rua com todos os percalços que podemos e vamos encontrar.

A cena da mãe começa num desespero misturado com uma loucura. Quando começa a música, ela vai se acalmando e fica de frente pro publico. Já mais calma, começa a falar num tom nostálgico de como foi sua infância. Das coisas que aprontava e como apanhava dos pais também. E de como já pensava em criar seus filhos, sem usar de violência. Nesse momento ela já começa a identificar onde errou na criação dos filhos. Meio que se justificando conta como foi sempre difícil, pois sempre teve que trabalhar muito e a vida corrida e estressante a mantinha ainda mais distante dos filhos. Então ela começa a falar de como começou a perceber que estava perdendo a família. Nesse momento chega o momento critico para a atriz, que já esta acostumada a trabalhar com distanciamento, a falta de catarse, ao riso, a brincadeira. Nesse momento espera-se o choro. Seguido do choro, vem o desespero e o choro compulsivo quase infantil. A necessidade de concentração é ainda maior do que nos outros trabalhos. Agora, alem de preparar o corpo, a necessidade de preparar o interior é maior ainda.

Mas é esse o trabalho do grupo, é o momento de experimentar não só a poética da rua, mas a descoberta estética que o ator pode proporcionar naquele espaço. Como trabalhar com esses elementos dramáticos na rua? Como fazer teatro de uma maneira não comum até para o próprio teatro?

Experimentos. E esse mês fizemos alguns. Um dos mais inquietantes e difíceis foi ensaiar o que já tínhamos montado na rua. Devido a um problema de comunicação e sem espaço para ensaiar em uma determinada noite, fomos para o Pólo de Lazer do Conjunto Ceara. Um espaço típico que iremos encontrar em nossas apresentações. Barulho, dispersão, falta de atenção, com certeza encontraremos em nossas caminhadas como sempre encontramos. Simplesmente chegamos, cada um escolheu um espaço da praça pra ensaiar e começamos. Eu escolhi um espaço mais distante do barulho dos bares. A Iane fez a cena/ensaio no meio do canteiro central e a cena/ensaio do Henrique foi numa pizzaria. Em cada cena, havia alguém pra assistir, pra se surpreender com aquilo que estava acontecendo na rua. Era uma surpresa. Na minha cena que foi a primeira, alguns rapazes que estavam andando de bicicletas pararam longe pra ver o que estava acontecendo. Na cena da Iane, as pessoas que estavam numa pizzaria pararam pra ver o que havia. O flanelinha dos carros se aproximou e até o cachorro de rua se aproximou pra ver o que estava acontecendo. Nessa mesma pizzaria onde os clientes pararam pra ver o que estava acontecendo, fomos pra fazer a próxima cena. Sentamos, pedimos uma cerveja e a cena do Henrique, que pede uma garrafa de vinho, teve que ser adaptada para a ocasião. Todas as cenas foram filmadas (para ver clique aqui) e, surpreendentemente, a cena onde havia mais gente ao redor, foi onde as pessoas menos perceberam o que estava acontecendo.

Todas as cenas foram filmadas e fotografadas e já estão disponíveis em nosso blog, redes sociais e youtube. Alem dessas cenas, nesse mesmo dia fizemos uma cena intervenção em frente a uma casa de pagode. Três atores do grupo, dançaram uma coreografia contemporânea ao som de musica clássica em plena madrugada, ao meio de motos, carros e os seguranças tentando nos impedir de fazer nosso trabalho. Foi uma experiência muito boa, apesar da correria pra produzi-la (para ver o flash mob clique aqui). Com essas experiências, vamos juntando e nos preparando para o que virá. Ainda muita coisa vai mudar, melhorar, transformar, mas já sabemos que terá em torno de 20 minutos. Ainda não sabemos o nome que daremos: isso serão cenas para o próximo capitulo, no próximo ano.

ENSAIOS, ETC & TAL ... RETA FINAL.

Por Iane Lima

Bem, estamos na reta final do nosso peróxido. As cenas já estão praticamente prontas, mas por enquanto são cenas individuais, onde cada um dos atores se encontra em dias separado para trabalhar somente com o diretor. Em um dia da semana mostramos o que construímos para o outros atores do processo. É onde debatemos as cenas com opiniões, dicas e sugestões para o aprimoramento do trabalho.

Esse trabalho e um pouco diferente dos outros trabalho do Nóis de Teatro: estamos trabalhando com técnicas stanislavskianas, o que envolve muitas emoções e sentimento de verdade, o que pra mim, particularmente, não e nada fácil. Mas enfim, os ensaios tem sido muito produtivo e acho que todas as cenas estão bem avançadas.

No nosso ultimo ensaio resolvemos faze-lo em espaço aberto e foi uma experiência muito válida, mostrando que não será tão complicado como eu pensava ser. As coisas têm progredido bastante ao longo dessa trajetória. Estou muito empolgada com o espetáculo. Logo, logo começarão os ensaios gerais com todos os atores e bailarinos envolvidos nesse processo. Acho que e o que falta para completar o nosso trabalho depois disso é só a estréia. 

EU, HENRIQUE GONZAGA: ATOR!

Por Henrique Gonzaga

O processo foi longo, cansativo, gratificante e de puro aprendizado. Chegamos na reta final, mas o que entendemos por reta final?

Quando falamos em reta final nos remete o fato de que o trabalho está terminando não é? No Nóis o trabalho nunca termina, nunca dizemos que o trabalho está concluído. Esse é o grande ponto positivo do grupo: os recursos são inesgotáveis, então, vamos explorar até onde podemos.

Esse trabalho em si é um grande desafio para o Nóis, quando falo Nóis é do grupo todo, não só dos três que estão em cena, mas de todo o coletivo. Podemos ver esse desafio com o pessoal que montou a coreografia da 9º Sinfonia de Beethoven: Ode à Alegria. Nunca tínhamos trabalhado com uma música clássica e conseguimos fazer um belo trabalho. Essa montagem foi um grande desafio para Angélica Freire, Bruno Sodré e Nayana Santos, mas que ficou lindo e surpreendente.

A esquete que estamos montando também é um grande desafio, trabalhar com Stanislasvski não é fácil, exige uma concentração diferente, um tônus de corpo diferente e uma naturalidade que é nossa, mas que facilmente perdemos quando interpretamos. Nesse relatório vou falar da minha experiência como um ator diante de todos esses desafios.

Durante todo o processo estive consciente de que não sairia desse trabalho como tinha entrado. Sempre tive na cabeça que esse trabalho, como todos os outros do Nóis, iria me dar uma nova visão da arte que faço. Ponto pra mim: acertei em cheio. O que não imaginava era que eu seria constantemente colocado à prova durante esse trabalho.

Quando escrevi a cena que está compondo a esquete, imaginei uma situação de dor e superação, mas que ficasse claro o quanto uma arma de fogo pode modificar a vida de uma pessoa. Aí chega o texto e Altemar di Monteiro começa a dar as suas sugestões sobre a interpretação. De imediato fiquei muito entusiasmado com as dicas dadas pelo diretor, mas no decorrer dos ensaios tive a sensação de que aquilo que eu tinha escrito tinha se voltado contra mim. Um texto leve e duro ao mesmo tempo, que exige um dinâmica que não estou acostumado, que me trava, que me exige sensações e que me obriga a manter um corpo que nunca tinha experimentado.

Os ensaios começaram e a cada encontro saio de lá com um enorme desconforto, ainda não consegui terminar um ensaio e dizer “porra que ensaio massa”. Não por questões externas, mas por mim. Ainda não consegui pegar o rítimo de Stanislasvski. O naturalismo que ele propõe, pra mim, é incômodo. Até agora não consegui sentir o que o personagem sente. Sei que isso é deficiência minha como ator, mas não poderia deixar de colocar esse problema como grande desafio desse processo.

Esse processo realmente vai fazer uma diferença muito grande no Nóis de Teatro e eu suspeito que as pessoas vão se surpreender. Também desejo trabalhar muito para suprir a minha deficiência e mostrar um belo espetáculo para todos. É isso que o Nóis de Teatro sempre quer: incomodar, chamar a atenção, dá um soco no estomago do público (palavras de Altemar di Monteiro), mas sempre contando com um belo espetáculo para isso.