Por Érika Gomes
Chegamos ao Planalto Pici, bairro da periferia de Fortaleza, populoso,
conhecido por muitos através dos meios de comunicação pelos problemas de água,
de saneamento e pela violência. Conhecido por nós como um bairro do Maracatu
Nação Pici, pela Quadrilha Tongil, pelos trabalhos do Bando Gambiarra, do
Coletivo Muquifo e do Espaço Frei Tito – Escuta.Enfim, para nós estávamos indo
para um lugar onde a arte da margem brota do chão, que respira tradição
popular, com seus reisados de porta em porta, que reúne uma roda de coco no bar
do seu Gervas. Um lugar de poesia, de coisas simples e bonitas, de pessoas que
andam de bicicleta, que vão a feira no domingo pela manhã. Enfim, um lugar
habitado por pessoas boas, capazes de produzir o belo, o poético, a arte.
Primeiro encontramos com o pessoal do Espaço Frei Tito – Escuta, trocamos
de roupa e seguimos em cortejo pelas vielas do Pici. Cantando nossas músicas,
nos deparando com pessoas sentadas nas calçadas no fim de tarde. “Gente da
gente, povo guerreiro, favela!”. Chegamos à quadra e lá estavam nossos amigos
do Coletivo Muquifo, percebemos o cuidado e o carinho que eles tiveram para
preparar a nossa ida, um cartaz feito à mão anunciava o dia e o horário da
apresentação, e um fanzine com uma foto, passava de mão em mão. O aviso estava
dado à comunidade: hoje tem teatro! Chegamos e ocupamos a quadra e o povo se
organizou ao redor.
Sentimos a vibração das pessoas, a energia viva do povo pobre da
periferia. Não foi uma apresentação teatral convencional, não existia uma clara
separação entre platéia e os atores. O público também teve suas cenas, onde os
próprios atores tiveram que parar para ver, se tornando expectadores do seu
público. Quase sempre os expectadores se voltavam contra os discursos
autoritários de Zé da Granja, o latifundiário. Os atores que representavam os
opressores quase não conseguiam falar seu texto, pois a oposição era grande e
contagiante.
Nesse dia o povo bolou no chão como nunca na cena do dinheiro. Sentiamos
que estávamos nos apresentamos para as pessoas que mais entendiam o que
estávamos falando. Sim, o povo, a plebe das periferias de fortaleza sabe o que
é luta de classes, da luta diária dos trabalhadores, algo bem próximo da
realidade de cada um que assistia aquelas cenas. Consciência de classe sim!
Pois não é necessário ler Marx para entender que existe exploração e opressão.
Saímos do Pici com uma alegria contagiante no coração, uma euforia, um
sentimento de troca único. Aquela apresentação entrou para a história do grupo
Nóis de Teatro. Percebemos a importância de estar com nossos parceiros de luta,
os grupos da periferia como Nóis, e de estar em contato com as pessoas que
estão nas margens e compreendem a arte de resistência, aquela que nos dedicamos
a fazer, pois somos também fruto das contradições da favela, do gueto. Não
falamos de algo distante da nossa realidade, gritamos alto, cantamos e dançamos
apenas a opressão que também nos mutila.
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