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TAMBORES, BITCH BOYS E OUTROS 500

Posted by Nóis de Teatro On 18:56 No comments



Por Murilo Ramos




Esse segundo mês de experiências, laboratórios e viveres dentro do projeto Todo Camburão Tem Um Pouco de Navio Negreiro vem reafirmar certezas e problematizar conceitos que a nossa sociedade “político-midiática” nos empurra goela abaixo. Foi um mês de viagens , não só no que diz respeito à distancias percorridas entre Fortaleza e Maranhão (Comunidade Felipa, Santo Antônio dos Pretos, Quilombo Urbano), mas também viagens interiores e pessoais à respeito dos objetivos e o que vamos debater no nosso espetáculo. A condição atual do negro no Brasil. Tema amplo, que nos defronta, expõe feridas, chicotadas e algemas.
No mês de abril além do trabalho sensível a respeito da negritude e periferia que foi feito na sede do grupo, através de exercícios e jogos, com a finalidade de nos abrirmos intuitivamente e racionalmente para o tema, tivemos o prazer de rever e conhecer outros parceiros. Fomos a Codó (MA), conhecer a ancestralidade da comunidade quilombola Santo Antonio dos Pretos, afim de trocar experiências e conhecer mais a sua história de luta, esse quilombo é conhecido pela forte religiosidade através do Terecô, culto aos encantados, e sua relação direta com o comportamento , os hábitos e o modo de viver local. É uma comunidade onde as lideranças são os mais velhos, os “anciões” que guarda e vigia a tradição que seus antepassados repassaram e que, através da oralidade, ela vai sendo mantida. Caminhar pela piçarra molhada (pois chovia) de Santo Antonio dos Pretos nos faz seguir os passos largos dos escravos fugindo dos açoites, da senzala. Fica em mim o passo lento e firma da Dona Conceição, uma das mais velhas do quilombo, que sabe com lucidez o nome de todos os netos e bisnetos e se orgulha de sua história, se reconhece como negra e ainda tem medo que a escravidão, por algum motivo, volte. Marca também a liderança na comunidade o Senhor Ubirajara, que é líder comunitário, descrevendo o quanto é danoso o atual sistema de cotas, “ele vai contra a capacidade dos negros”, fala firme o senhor Ubirajara, em uma conversa debaixo de um alpendre, olhando as crianças brincarem na chuva. Trago também a imagem de uma senhora, não lembrarei seu nome, trazendo um grande ramo de manjericão para fazer um banho de limpeza, “fé”, responde ela às minhas indagações sobre o Terecô, “ é preciso ter fé”.
É com essa fé que seguimos viagem para rever nossos parceiros amigos da comunidade de Felipa, já havíamos nos apresentado na comunidade com o espetáculo Sertão.doc, lá a tradição do Tambor de Crioula  se mantém viva, e a oralidade e simpatia é traço marcante da comunidade. A surpresa veio, para nós, a noite, quando uma grande caixa de som tocava em um volume muito alto um Reggae, nos aproximamos devagar e ouvimos logo as boas vindas de uam família que ria e dançava, se divertia ao som cadenciado de Reggae jamaicano, “ isso aqui também é de negro”, um deles dizia, reafirmando a sua cultura, nos mostrando outras diásporas , nos levando para a consciência  de que trata-se de um povo múltiplo, o ser humano é múltiplo e múltipla é a sua cor,seus cabelos e sua religiosidade, então o que aconteceu no caminhar dos séculos? O que justifica tudo que aconteceu e ainda hoje acontece com o negro e todas as suas culturas?
Seguimos viagem até São Luis, ansiosos para conhecer um movimento auto intitulado “Quilombo urbano”, movimento que através da cultura do Hip-Hop luta contra a criminalização e extermínio da juventude nas periferias, juventude negra em sua maioria , rechaçada de direitos, que tem que lutar diariamente contra a truculência da polícia e os outros braços do poder. O bate-papo foi amplo: violência, governo, drogas, o estado, as manifestações de junho, passando pelo preconceito contra a mulher negra, abuso de poder, rede globo, os falsos movimentos sociais ... camburão.
Voltamos para casa com a mala cheia de afetos, revoltas e muitas ideias que foram discutidas e rediscutidas com nossos encontros, nossa mala de viagem está repleta de um material que deve e vai ser  analisado co um cuidado de um filho que está sendo desenvolvido, ainda está nas nossas barrigas, umas história que começa há mais de quinhentos anos. Agora precisamos encalhar nosso navio em outro porto. Um porto mais próximo de casa. Nosso porto particular. Axé!!





"O projeto Todo Camburão Tem Um Pouco de Navio Negreiro é vencedor do Prêmio Funarte de Arte Negra"


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