Por Angélica Freire (atriz convidada)
“O
maior problema da apropriação de cultura é que ela, como qualquer mecanismo
racista, tem o propósito de excluir o negro dos espaços, dar um novo formato
pra sua identidade, limitar sua maneira de se expressar, criando uma nova
cultura mais acessível e mais comerciável. Esse mecanismo faz o trabalho de
substituir, de forma esdrúxula e direita, o negro pelo branco, um branco que
vai buscar exatamente o que o negro faz, mas com bônus de cor que é mais
aceitável e que deixa tudo mais bonito. Assim sempre com o propósito de
comercializar, a apropriação de cultura facilita a passagem pela mídia, a
comercialização da cultura fica mais fácil, o capital corre tranquilamente.”
Mara Gomes, para blog, BlogueirasNegras.
Domingo
de Carnaval (15.02.2015) acompanhei pela tv (band) o carnaval de Salvador,
considerados por muitos uma das maiores manifestações populares de rua do mundo.
Trios Elétricos
com suas estrelas do axé music encheram minha televisão por pelo menos 60
minutos daquele domingo, muitas pessoas, muito som, muitas cores nos abadás
caríssimos, no entanto foi inegável que apenas naqueles abadás haviam uma representação
maior de cores, já que a esmagadora maioria dos que os vestiam eram brancos de
classe média alta. Passei a observar os foliões, músicos, artistas,
repórteres... dos cordões para dentro (o que a tv mostra) e em nenhum momento
encontrei o que minha vista mais queria, um representação negra, nem mesmo os
percursionistas com seus tambores e atabaques eram negros, ao constatar isso
senti-me vendo a manifestação regada a Axé Music, mais sem axé do mundo.
Não
precisamos ir longe para saber onde está a população negra, os que tornaram os
tambores símbolo da Bahia, as mãos que misturam a massa pro acarajé, os braços
que ergueram a cidade, as costas que levaram os açoites e os muitos Natanaeis
massacrados... Fora dos cordões, segurando os cordões, almejando ou ostentando cordões,
cordões que agridem...
Observar
o carnaval da Bahia me trouxe uma reflexão nova, a de que a nossa cultura só
passa a ser boa o suficiente quando um branco se apropria, aconteceu com o rock
que nos fez engolir o rei topetudo fazendo o que os artistas negros já faziam a
tempos, aconteceu com o jazz, samba e atualmente vemos acontecendo com o
pagode, funk e rap. Pops stars e velha classe média alta apropriam-se de nosso
gingado, vestes, sonoridade, no entanto essa tomada de posse para por ai, as
lutas negras, as mazelas e massacres não são apropriados, apenas o que lhes
convém é destacado e ressaltado em nossas telas.
Percebi
que o negro e seu axé (sem ser o music) estão cada vez menos presentes nessa
manifestação de rua, embranqueceu-se a “porra” toda e acham que usar turbante,
rasta, roupas com motivos afros, ter alguns “amigos” negros e aprender a tocar
berimbau vai diminuir o fato de termos nossa cultura sorrateiramente roubada.
Enquanto
todo esse carnaval era preparado em seus mínimos detalhes para total conforto
de seus foliões e enquanto a população tem sua vida interferida de modos
diversos seja no direito de ir e vir, na acessibilidade e etc, mais 12 pessoas (todas pretas, pobres e jovens entre 15 e
23 anos) foram mortas e quatro gravemente feridas no bairro do Cabula em
Salvador. Em uma rápida busca no google não
foi possível encontrar nenhum manifesto sobre o assunto por parte de artista
baianos e nem dos que em sua música falam sobre o cotidiano da favela e
empoderamento do povo negro.
O produto
desses artistas falam sobre meu dia a dia, sobre meus problemas, meus medos,
mas não sou eu quem vai ouvir, eu não estarei na plateia me identificando com
suas letras pois pra estar lá eu teria que me despir de meu axé, orixás, e
melanina e isso jamais.
“A
cultura negra é popular, pessoas negras não são".
B. Easy
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