.

.

About

CARNAVAL DO APARTHEID E APROPRIAÇÃO DE CULTURA.

Posted by Nóis de Teatro On 16:17 No comments



Por Angélica Freire (atriz convidada)



“O maior problema da apropriação de cultura é que ela, como qualquer mecanismo racista, tem o propósito de excluir o negro dos espaços, dar um novo formato pra sua identidade, limitar sua maneira de se expressar, criando uma nova cultura mais acessível e mais comerciável. Esse mecanismo faz o trabalho de substituir, de forma esdrúxula e direita, o negro pelo branco, um branco que vai buscar exatamente o que o negro faz, mas com bônus de cor que é mais aceitável e que deixa tudo mais bonito. Assim sempre com o propósito de comercializar, a apropriação de cultura facilita a passagem pela mídia, a comercialização da cultura fica mais fácil, o capital corre tranquilamente.”
Mara Gomes, para blog, BlogueirasNegras.

Domingo de Carnaval (15.02.2015) acompanhei pela tv (band) o carnaval de Salvador, considerados por muitos uma das maiores manifestações populares de rua do mundo.

Trios Elétricos com suas estrelas do axé music encheram minha televisão por pelo menos 60 minutos daquele domingo, muitas pessoas, muito som, muitas cores nos abadás caríssimos, no entanto foi inegável que apenas naqueles abadás haviam uma representação maior de cores, já que a esmagadora maioria dos que os vestiam eram brancos de classe média alta. Passei a observar os foliões, músicos, artistas, repórteres... dos cordões para dentro (o que a tv mostra) e em nenhum momento encontrei o que minha vista mais queria, um representação negra, nem mesmo os percursionistas com seus tambores e atabaques eram negros, ao constatar isso senti-me vendo a manifestação regada a Axé Music, mais sem axé do mundo.

Não precisamos ir longe para saber onde está a população negra, os que tornaram os tambores símbolo da Bahia, as mãos que misturam a massa pro acarajé, os braços que ergueram a cidade, as costas que levaram os açoites e os muitos Natanaeis massacrados... Fora dos cordões, segurando os cordões, almejando ou ostentando cordões, cordões que agridem...

Observar o carnaval da Bahia me trouxe uma reflexão nova, a de que a nossa cultura só passa a ser boa o suficiente quando um branco se apropria, aconteceu com o rock que nos fez engolir o rei topetudo fazendo o que os artistas negros já faziam a tempos, aconteceu com o jazz, samba e atualmente vemos acontecendo com o pagode, funk e rap. Pops stars e velha classe média alta apropriam-se de nosso gingado, vestes, sonoridade, no entanto essa tomada de posse para por ai, as lutas negras, as mazelas e massacres não são apropriados, apenas o que lhes convém é destacado e ressaltado em nossas telas.

Percebi que o negro e seu axé (sem ser o music) estão cada vez menos presentes nessa manifestação de rua, embranqueceu-se a “porra” toda e acham que usar turbante, rasta, roupas com motivos afros, ter alguns “amigos” negros e aprender a tocar berimbau vai diminuir o fato de termos nossa cultura sorrateiramente roubada.

Enquanto todo esse carnaval era preparado em seus mínimos detalhes para total conforto de seus foliões e enquanto a população tem sua vida interferida de modos diversos seja no direito de ir e vir, na acessibilidade e etc, mais 12 pessoas (todas pretas, pobres e jovens entre 15 e 23 anos) foram mortas e quatro gravemente feridas no bairro do Cabula em Salvador. Em uma rápida busca no google não foi possível encontrar nenhum manifesto sobre o assunto por parte de artista baianos e nem dos que em sua música falam sobre o cotidiano da favela e empoderamento do povo negro.

O produto desses artistas falam sobre meu dia a dia, sobre meus problemas, meus medos, mas não sou eu quem vai ouvir, eu não estarei na plateia me identificando com suas letras pois pra estar lá eu teria que me despir de meu axé, orixás, e melanina e isso jamais.


“A cultura negra é popular, pessoas negras não são".
B. Easy

0 comentários:

Postar um comentário