Por
Edna Freire
Um
belo dia, um lugar, um tempo, um espaço perfeito para flanar. A caminha com um
olhar mais sensível voltado para o espaço se faz necessário dentro da proposta
de apenas sair flanando por ai, observando sempre, como se estivéssemos
invadindo o espaço do outro. Assim como observávamos éramos observados, olhares
curiosos em cima dos nossos olhar de pesquisa. Pessoas em suas calçadas ou em
calçadas alheias, até aqui nada novo, mas as troca de olhares de curiosidades
de ambas as partes existiu. Esses olhares que se fizeram novos.
Logo
mais fomos participar um pouco das festividades do local. Acontecia ali onde
parecia a rua principal da pequena cidade, um festival de quadrilha, e dava pra
perceber o quanto as pessoas se prepararam pra estar ali. Animação só, entramos
no clima, assistindo a competição das quadrilhas, uma mais linda do que a
outra, efeitos de cenários era o melhor, sem falar da troca de roupas, aplausos
e mais aplausos, todas arrasaram naquela noite. E quando seus dançarinos saiam
do grande palco que é a rua, eles exalavam um cheiro de dever cumprido, roupas
suadas cansaço nítido, mas sorrisos escancarados nos rostos, lindo, tudo muito
lindo, me senti contemplada. No palco onde os músicos das quadrilhas tocaram,
logo depois é ocupado com bandas de forró contratadas pra animar a festa, o
espaço onde as quadrilhas se apresentaram logo é ocupado por pessoas, mesas,
bebidas, gargalhas e coreografias. A noite ali promete.
O
dia vem lindo, arrasando com seu sol que parece ser mais forte ali. Depois do
café da manhã “vamos a La praia ôôôô”, dia de flanar nas areias e mar de Jeri,
mas primeiro conhecemos um caminho enorme antes de chegar de fato na praia. Começamos
com fotos, depois cantamos, depois falamos sobre um pouco de tudo, depois nos
calamos, depois fomos banhados por areias das dunas, depois voltamos a falar, e
a sensação que tinha ali, é que o caminho nunca ia acabar, nossa, foi muito
longo. Enfim chegamos. Apesar de ser cearense, Jeri era um local onde não tinha
pisado antes, e como tudo que é novo, criamos expectativas, mas aquela praia
não seria tão nova sem praticar o “flanar”, foi preciso conceber o exercício
proposto para olhar diferente aquele lugar. O mar, a areia, o cheiro, tudo
sendo olhado com outro tipo de olhar, diferente de um olhar de turista talvez.
Admiração, envolvimento com espaço, ocupar o lugar, criar frases, criar
movimentos, criar olhares afetivos com aquele espaço, me fez necessário.
Depois
de tantos assuntos, conversas sobre os exercícios, sobre o que de fato
estávamos buscando, fizemos uma pequena pausa, era a hora do almoço, outra
forma de flanar, saímos em busca de um local como aquele dito “bom, bonito e
barato” e ao sair daquele espaço que fica bem em frente ao mar, bem perto,
encontramos um local dos 3 B’s. Pronto, estávamos preparados para a segunda
parte, com uma idéia pronta, tínhamos o local, o que fazer, onde gravar, mas
faltava certos materiais, então, começamos a correr atrás dos tais materiais,
com um vestido usado em outro espetáculo do grupo, uma renda aqui um buquê de
flores naturais ali e um lápis preto acolá, montamos uma linda noiva, prontinha
para percorrer por Jeri, chamando a atenção com sua beleza de uma noiva em seu
momento de esplendor, esbanjando sorrisos e afetos com as pessoas do local. Sendo
parada por alguns candidatos noivos aqui, para tirar foto acolá, a noiva com
certeza não passou despercebida no local, e antes mesmo de passarmos em
determinados locais, a noiva já tinha sido anunciada. A noiva linda casava com
o local, ela fazia parte daquela cidade, ela era a cidade.
Saindo
um pouco do meio das pessoas, subimos as lindas dunas, trazendo pra aquela
linda noiva a agorafobia, aquela linda noiva-cidade, estava em um espaço só, o
movimento havia acabado, as pessoas não existiam ali, no meio daquele espaço
só. A noiva-cidade se perde, no meio de sua fobia, o desespero vem lhe
corroendo, com necessidade de sair dali, procurar outro espaço. A noiva-cidade
sai em busca do mar, sentido seu cheiro que exalava forte a chamando. Aquela
noiva-cidade ao sair do mar não era mais a mesma, não tinha mais aquele
esplendor, aquele sorriso estampado na cara, agora era uma noiva sem afetos e
sorrisos, aquela noiva-cidade parecia morta, completamente diferente.
Anoiteceu,
e o trabalho continuava, tiramos a noiva do mar, da praia, e a levamos para a
cidade de Jijoca, para o meio de respectivos moradores e turistas. A cidade
estava cheia, mais um dia de festa, o festival de quadrilhas continuava ali, e
a noiva foi levada para aquele espaço, a ação continuava. A gravação era feita
tarde da noite, o pedido era sempre “noiva com o corpo deformado, destruído” e
assim a noiva foi andando pelo espaço, observando e sendo observada. Há quem
diga que ficou com medo daquela dita noiva, ouvíamos as pessoas falando “foi abandonada no altar” entre outros
comentários do tipo. Mas quem não teria medo de uma noiva destruída daquele
jeito, suja de lama, maquiagem borrada, sem nenhum sorriso no rosto? Em alguns
lugares – ambientes – nos trás essa mesma sensação, geralmente não queremos
estar ali, queremos estar na noiva-cidade linda esplendida que esbanja beleza,
cidades lindas, “lugar lindo” sempre é o melhor pra se ficar.
A
noiva-cidade tem que ser bela e sempre sorridente, de outra forma não serve,
não existe conserto.
O projeto “Flaneur – Um Olhar Poético
Sobre as Ruas do Ceará” é vencedor do Prêmio Funarte de Artes na Rua 2014. Para
saber mais sobre o projeto clique aqui.
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