Por Kelly Enne Saldanha
Cresci vivendo dentro
de uma comunidade católica, a Comunidade de Granja Lisboa. Nessa comunidade,
passei pelo batismo, primeira eucaristia e crisma. Fui inclusive catequista
neste último sacramento. Passei grande parte da minha infância e juventude ali,
naquele lugar cheio de tias. Por mais que nenhuma delas tenham sido de fato
minhas catequistas, não tinha como chamar a tia Nalva de Nalva, tia Lucia de
Lucia e tão pouco a tia Neide de Neide. Até hoje.
Minha vida teatral
começa ainda no ensino médio, porém ela começa a ganhar forma dentro dos muros
da Comunidade de Granja Lisboa. Desde então, vamos chegando aos quinze anos de
teatro.
Por conta da
experiência teatral junto à comunidade com o teatro de rua, muitas pessoas nos
abordam para comentar sobre espetáculos que realizamos ou indagar sobre qual e
quando será realizado o nosso próximo trabalho. Porém a relação com a
comunidade vem mudando de uns anos pra cá. Desde o ano de 2013, o Nóis vem
ministrando aulas de teatro no bairro. Iniciamos na sede antiga que ficava na
rua Barra Vermelha, 381. Depois de mais de quatorze anos de atividades nessa
sede, mudamos. Voamos.
Hoje na nova sede,
não deixamos de dar aulas às crianças. E desde quando começamos a realizar esse
tipo de ação no bairro, nossa relação com a comunidade mudou. Além das
crianças, seus pais, amigos e vizinhos passaram também a me chamar de "Tia
do Teatro". E Edna Freire sempre está comigo nessa empreitada.
Essa responsabilidade
que é cuidar, ensinar, nos muda. Olhos e ouvidos bem atentos, voz afiada pra
falar e falar e falar. E sempre prontas para aquele conselho: "Se coloque
no lugar no colega..."
Apesar de sermos vizinhos,
nossas crianças e nós, vivemos uma vida completamente diferentes. E é no teatro
que podemos ver seus medos, anseios, preocupações. E sabe qual é o principal
assunto delas em cena? O medo de ficar longe da família. Sejam sequestradas
pelo homem do saco preto, sejam carregadas pela bruxa malvada, sejam pelo medo
de morrer, tudo isso é visto nas cenas que elas combinam entre elas para
mostrar ao final de alguns encontros.
O mais intrigante é como nós também vamos
fazendo parte da vida delas de alguma maneira. Não estamos aqui pra salvar
ninguém. Mas temos a oportunidade de mostrar outras possibilidades. Isso é
possível. E a gente se surpreende tanto com aquilo que recebemos. E é bom.
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