A garota cresceu. E aquela criança-esperança que movia o
futuro foi tomada de arroubo pela perversidade violenta de um mundo que fabula
sua própria crise, sua própria doença, sua própria farsa. Rodando em círculos
de um tempo-espaço que tem se forjado na paralisia das totalizações, no
obscurantismo conservador e reacionário, a garota se vê perdida, atônita,
reconhecendo que o que antes parecia ter conquistado tem sido varrido como
poeira pelos vaticínios da ordem e do progresso. Mas junto com a menstruação
veio o pandemônio de hormônios a lhe desestabilizar. Na exceção ela reencontra
“a regra” e na violência de um tempo sem rumo ela vê a matéria prima da
transformação: o corpo.
Na festa debutante, a garota troca laços e fitas rosados
pela máscara de gás, o braço erguido e o vinagre na bolsa... Já que seus sonhos
viraram demônios a lhe perseguir, inquietar, incomodar, lembrando-lhe da sua
sempre constante incapacidade de realizar, de prosseguir, de avistar um lugar
melhor pra se viver; a garota desenha sua desrazão, sua despossessão, sua
insurreição. Céticos insistem que é apenas rebeldia da juventude, mas, nesses
15 anos, foram tantas promessas de mudanças, tantos votos de cidadania, que o
que se revela com maior efeito é a sensação colérica de que, de fato, tudo
continua no mesmíssimo lugar e que, sim, ainda há muito por fazer. Mal ajustada
no próprio corpo, ela vê a possibilidade de ser outra e, para isso, será
necessário armar uma grande rebelião. Com apenas 15 anos, ela quer emancipação
já!
Fuck The World Center!!!
A rebelião coloca-se em curso. Um montim de mulheres, pretos
e pretas, trans, drags, sapatãos, viados e travestis estão armando a maior das
insurgências: a periférica. Vindos do oco do mundo, “do que não tem governo nem
nunca terá”, do que não tem e nunca terá centro, nem dono, nem patrão; Vindos
de um tempo que se encharca de memórias e de desejos, entrecruzados,
emparelhados; esse levante marginal diz que nada mais será como antes! Daqui em
diante, o presente é insurgente e precisa ser recombinado, reacertado, abrindo
a experiência à absoluta inquietude de agoras refeitos na insegurança primeira
de um futuro por vir.
Juntando força à esse levante, a garota não abandona seu
passado, pelo contrário, este aviva-se no presente como marca corpórea da
experiência, do erro, do assombro, lembrando-lhe do irrepetível, do
inegociável, do inaceitável. Colhendo cacos dessa história, ela recombina
forças, reorganiza armas, abandona vícios, fortalece pacientemente suas
potências, admitindo que sim, “o real é aquilo que resiste”. Por isso aposta na
linguagem, na violência insurgente da arte como pólvora da sua revolução, do
seu descontentamento com o modo como tudo tem Estado. Ela reconhece na
periferia de sua arte, na insurgência preta, denegrida, mal amada, ressentida,
viada, o mote real do que ainda pode construir um outro corpo, um outro mundo:
o ataque imediato à infraestrutura branca, pálida e limpa de um mundo que
parece não ter sentido o gosto azedo e fétido do bolo estragado.
Happy Birthday? Não. Nada mais será como antes!
A periferia sou eu. A garota somos Nóis.
Insurgência já!
1 comentários:
Arrepiada!
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