“Sertão.doc” trata das hodiernas questões que envolvem a sociedade campesina brasileira. A dramaturgia do espetáculo foi construída num processo colaborativo, partindo das referências que os atores-pesquisadores vivenciaram nos assentamentos de reforma agrária do Ceará e da opção por um texto fragmentado em quadros cênicos que começam e terminam, podendo ser "lincados” ou não com o quadro seguinte. Trata-se de um documento vivo, um dossiê cênico, uma coleção de documentos que discutem pontos importantes acerca da questão da terra e da reforma agrária, desde o latifúndio e a perseguição política até o agronegócio, a revolução verde e a moderna reflexão sobre agroecologia. São abordados temas como a seca de 1970, a presença autoritária e hierárquica do capitão, a luta pela reforma agrária e contra o poder capitalista, além da conquista dos assentamentos, utilizando, entre vários elementos, a estética do reisado enquanto efeito cênico.
Partimos da necessidade de mostrar a visão urbana sobre o assunto em questão. Da consciência que precisamos discuti-lo, bem como apresentá-lo aos homens da cidade, debatendo as relações de poder apresentadas no espetáculo.
CONCEPÇÃO
Entre os anos de 2009 e 2010, a equipe de artistas-pesquisadores do Nóis de Teatro estudou, pesquisou, visitou assentamentos de reforma agrária do Ceará, assistiu vídeos, construiu textos, conversou com mestres, ensaiou, re-ensaiou e montou o espetáculo manifesto “Sertão.doc”. Estudamos linguagens e estéticas, em busca de desenvolver um trabalho com uma marca própria, singular, buscando acima de tudo fugir do estereótipo da projeção parafolclórica dos reisados pesquisados.
Tudo é utilizado como efeito. A principal marca do espetáculo é a utilização do cunho ritualístico do reisado de caretas, apresentando para a platéia a configuração de um espaço mágico, onde atores e músicos brincam e apresentam seus personagens, utilizando a máscara para a revelação de um corpo santo, que dialoga entre o sagrado e o profano, entre o sublime e o grotesco. É desse corpo grotesco que tiramos o mote para a construção dos personagens, que não são personificados, são simplesmente mostrados, distanciando o ator da personagem, sempre buscando mostrá-lo, nunca sê-lo.
O distanciamento brechtiano também está presente, trazendo à cena atores que se relacionam com a platéia, sujeitos que possuem algo para dizer. Partimos da pessoalidade, da personalidade de cada ator e músico, e o interessante é perceber como cada um desses artistas mostram os arquétipos apresentados, tais como capitão, deputado, delegado, revolucionário, velha, etc. Busca-se um dinamismo na construção desses personagens, eles aparecem e desaparecem com uma fluidez que contribui para a construção de um pensamento racional. Para isso, contamos ainda, com a utilização do efeito épico, narrações históricas e didáticas que servem para informar, usando da crítica à própria informação, numa espécie de documentário: um teatro documentário.
Com bicicletas cargueiras, um dos poucos meios de transporte não poluente, os atores brincantes chegam para mostrar uma questão emergente. Dessas mesmas bicicletas tudo surge, seja a máquina da água, a estrutura capitanesca ou ate mesmo o massacre de milhares de mártires que morreram pela causa, elas representam formas, estados, sujeitos e partituras. Na busca por um espetáculo que alie tradição e contemporaneidade, o grupo optou ainda por um teatro performático, que utiliza, enquanto efeito, a projeção de videoartes que dialogam com a cena apresentada e em dados momentos com o próprio ator e com a platéia, contribuindo para a construção de um clima. Na música, utilizamos guitarras, distorções e percussões, gerando o clima de um ritual urbano, ressignificando as toadas e relaxos do reisado tradicional.
Em suma, o espetáculo é o pensamento de uma tribo urbana acerca da questão da terra e para isso, os atores, em vez dos personagens, mostram a questão para que o público possa chegar as suas próprias conclusões. São artistas performers em busca de uma rua pos-dramática.
FICHA TÉCNICA
TEXTO Criação Coletiva | DIREÇÃO Murillo Ramos | ELENCO Altemar Di Monteiro, Murillo Ramos, Bruno Sodré e Kelly Enne Saldanha | SONOPLASTIA Jefferson Saldanha e Dario Oliveira | CONTRAREGRAGEM Henrique Gonzaga | ARRANJOS MUSICAIS Jonas de Jesus, Jefferson Saldanha, Bruno Sodré e Dario Oliveira | ASSESSORIA DE PESQUISA Orlângelo Leal e Silma Magalhães | ASSESSORIA MUSICAL Orlângelo Leal | PREPARAÇÃO VOCAL Ângela Moura | FIGURINOS Valne Lima e Altemar di Monteiro | CONFECÇÃO DE FIGURINOS Joélia Braga | ACESSÓRIOS E ADEREÇOS Valne Lima | CENOGRAFIA O Grupo | FOTOGRAFIA Duda Lemos | EDIÇÃO DE VÍDEOS Altemar di Monteiro | IMAGEM VÍDEO DE ABERTURA Dona Eva Torrado (Assentamento Poço da Onça-Miraíma-CE) | IMAGEM VÍDEO DE ENCERRAMENTO Mestre Guilhermino (Assentamento Ipueira da Vaca- Canindé-CE) | TESOURARIA Kelly Enne Saldanha e Aquiles Santos | PROJETO GRÁFICO Altemar di Monteiro | ASSESSORIA PEDAGÓGICA NA PESQUISA Projeto Arte e Cultura na Reforma Agrária – INCRA-CE | PRODUÇÃO Altemar di Monteiro | REALIZAÇÃO COMOV e Nóis de Teatro
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