Por Kelly Enne Saldanha
Falta menos de um mês. O sentimento maior nesse
momento é o da ansiedade. Ao mesmo tempo que já passa um filme de todo esse
processo que durou meses. Esse filho que está prestes a nascer chamado
"Todo camburão tem um pouco de navio negreiro”, vai tendo uma gestação
cheia de emoções. Por várias fases passamos nesse processo.
No início eram as dúvidas do que tratar, porque o
universo negro é um imensidão de coisas a contar, refletir, celebrar e encenar.
Muito tempo pesquisando, estudando, ouvindo, assistindo e principalmente
conversando. Foram muitos momentos passados, a espera de tantos outros que
virão. O mergulho em nós mesmos foi algo sublime, profundo e, muitas vezes,
pesado. Negros como somos, vivemos toda a nossa vida engolindo e tentando
esquecer de momentos de preconceito, discriminação por sermos negros e da
periferia. Foram tempos de descobertas, revelações e de nos conhecermos ainda
mais. Apesar dos doze anos que o grupo tem junto, nunca tivemos a possibilidade
de nos conhecermos tão profundamente.
Diante dos freqüentes acontecimentos como
linchamentos públicos, agressões, violência, excessos, tanto da população em
geral quanto da polícia, tivemos um período bem triste durante essa montagem.
Foi um período de extrema dificuldade de termos pensamentos positivos em
relação ao ser humano. Foi difícil ter esperança. E não ter esperança é algo
muito, muito profundo. Saíamos dos encontros com muito pesar, chorávamos. Não
havia felicidade em tudo isso. Foi, para mim, a montagem mais difícil de minha
vida. Parece que a vida deu uma ampliada nos problemas que passamos todos os
dias. Incluindo o medo de sair de casa. Fortaleza passava por um turbilhão de
acontecimentos pesados e tristes. Essa lente de aumento nos seguiu e, por conta
dela, grande parte da montagem seguiu um certo pesar. Mas, depois desse
momento, começamos a montar a dramaturgia. Eita, outro momento turbulento. Stress,
cansaço, cobranças, muita coisa e ao mesmo tempo. Mas essa etapa ficou logo pra
trás.
O momento que se segue, que inclusive é pelo qual
estamos passando, é de alegria. Alegria pelo que estamos fazendo, mostrando,
refletindo, falando, cantando, dançando e sentindo. Muito bom chegar ao ensaio
e ver as emoções que transbordam em meus colegas. Ver que estamos, enfim,
chegando aos, tão esperados, consensos. Estamos caminhando para o potente, para
a luz. A luz negra que é linda, do tamanho da sua força, resistência e
insistência. Se antes eu já era apaixonada pela cultura negra, hoje em dia
sou infinitamente mais. Estou completamente ansiosa. Não vejo a hora de por o
figurino, de colocar as pernas de pau, de me emocionar como sei que irá
acontecer. Eu já me emociono a cada ensaio. Estou apaixonada.
Completamente. Pela força do negro, por nossa força, por nossa luta, por
nossa alegria. Tenho orgulho demais dessa história. Não vejo a hora de
tudo acontecer. Vai ser babado, confusão e gritaria.
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