Por Altemar Di Monteiro
Intervir. Trans(formar).
Re(trans)formar.
Embrenhar-se em corpo, alma e afeto
pelos espaços: espaços habitados da nossa própria alma, afeto e corpo, que se esfacela,
em eterno retorno, num percurso de si para o mundo, do mundo que nos cerca para
nós, em busca de compreender o que há de belo no ato de ser. Periféric@s.
Suburban@s. Negr@s.
As investidas poéticas do Nóis de
Teatro, ao longo da sua história teatral, pelos becos, vielas e ruas das
favelas são a propulsão de um pensar construído a partir de nossas próprias
experiências de vida. Imagens sensíveis de um universo amplo que se despedaça
para a construção de nossas “obras de arte”. Obras de arte? Bom, o dilema criativo
se refigura quando nosso atual repertório se amplia em diversidade criativa,
traçado entre uma perspectiva de um teatro popular, engajado, e experimentações
formais, na busca de compreender o espaço público/urbano e a sua
potência/latência de invenção. O nó se desata, ou se ata mais ainda, quando
vamos, aos poucos, fugindo dos conceitos pragmáticos de performance / intervenção
/ obra de arte para pensar num teatro que está pulsando no cotidiano do nosso
público, ávido por consumir teatro e curioso em ver nossas “loucuras” pelas
ruas do bairro.
“O Jardim das Flores de Plástico”
surgiu, em 2011, no meio dessa confusão e do desejo contínuo do pensar e agir,
do trans(formar) o espaço e a nós mesmos: artistas inquietos com o mundo que
nos cerca e com os tensionamentos “escrotos” entre centro e periferia (e a
produção cultural inscrita nesta tensão). O espaço público, para além da roda
tradicional do teatro de rua, passa a ser ambiente para um olhar curioso, de
criatividade que se exemplifica numa série de ações e atos performáticos
realizados entre becos e poças de lama ao longo desses anos. O primeiro ato,
financiado pelo Prêmio Mais Cultura Para Territórios de Paz (MINC), configurava
o espaço como um grande triângulo ritualístico de cenas que se interligavam num
discurso dramático sobre o desarmamento e violência nas periferias. A
performance realizada deu margem para a sua continuidade, realizada em 2013 com
o apoio do Premio Myriam Muniz da Funarte, onde uma grande bolha de plástico
era o objeto espetacular da opressão sistêmica de um cotidiano-marketing. As
“Jornadas de Junho”, aliada a nossa “Militância Estética” deram o mote para a
construção poética dos nossos “black-blocks” – em “Violência Pré-Fabricada”–,
prestes a explodir em ânsia de transformação. As experiências aqui narradas,
embora pareçam uma construção encadeada (Ato I, II e III), constroem um
arcabouço de investidas performáticas em paralelo, onde as ações surgem como
desejos poéticos e sensíveis do agora, muito mais do que prevíamos em nossos
projetos iniciais. Daí que, somadas todas as vivências com o nosso território,
aliado ao desejo mais recente da produção e difusão de um teatro de matriz
negra, o terceiro ato enche-se de relevância ao continuar discutindo violência
urbana, principalmente diante dos alarmantes números do abafado genocídio
cometido contra a juventude negra de nossas periferias.
Trata-se, aqui, da pulsão sempre
presente de discutir o nosso lugar, nossa urbanidade. É assm que as nossas
recentes pesquisas sobre um olhar “Flâneur” sobre o mundo que nos cerca – em um
devir deslizante de construção de si, apoiado numa vontade de ocupar vários
espaços, ampliando também a nossa ação cultural – construíram o desejo de uma
intervenção na urbanidade periférica a partir de um teatro em cortejo, de uma
cena em movimento, que ocupa (às vezes de forma simultânea, outras vezes em
forma de um caminho traçado) os espaços desse nosso território na construção de
um debate alegórico (e sempre dialético) sobre o entorno de nossa sede, sobre o
entorno de nós mesmos, aliás, sobre nós mesmos: jovens, negr@s, periféric@s.
O apoio do 3º Prêmio Nacional de
Expressões Culturais Afro Brasileiras (realizado pela CADON em parceria com a
PETROBRAS) foi fundamental para a realização dessa ideia, sendo ela uma das
portas de legitimação e difusão da produção cultural das periferias, em grande
maioria negra, dissipada de um “mercado” cultural ainda segregador,
eurocêntrico e incipiente, no que se refere à descentralização do pensamento do
que é arte, de onde ela parte e para quem ela fala. Seguimos intervindo,
trans(fomando) e re(trans)formando: a nós mesmos, ao espaço que nos cerca e,
quem sabe, nossa cidade, ainda tão carente do reconhecimento de sua identidade
negra.
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