POR KELLY ENNE SALDANHA
Observemos as ruas de
nossa periferia. Todas são iguais! Certamente essa afirmativa não está de todo
errada. Mas, se buscarmos ver com um pouco mais de cuidado, poderemos ver
diferenças e semelhanças. Em termos estruturais podemos aí ver a maioria de
suas semelhanças(ou não). Ás vezes asfaltada, outras não. Quando muito com
saneamento básico, poucas podemos encontrar assim. Compridas, curtas, cortadas
por rios transformadas em canais de esgoto. Lama, muita lama, ás vezes nem
tanto. Não existem um conjunto de regras bem definidas que demarquem como devem
ser as periferias. Mas basta chegar em uma que qualquer pessoa saberá que ali
é.
Mas as diferenças e
semelhanças em sua topografia, ou mesmo arquitetura não demonstram a
grandiosidade de suas particularidades. Toda rua tem a Dona Socorro, ou Dona
Iraci, quem sabe a Dona Francisca, donas da rua. Popularmente chamadas de
fofoqueiras, não tem quem não identifique uma delas na rua em que mora.
Respeitosamente chamadas de "Dona", sempre acessadas em caso de
curiosidade, mas as primeiras a sofrerem com críticas caso um mal falar seja
circulado. Sentadas na calçadas, o tempo parece que não as afeta. Nunca há o
que se fazer, a não ser ficar pela calçada. O que seríamos de nós sem esses
aborrecimentos?
E a cada época, uma brincadeira ressurge
anualmente. Se não são jogos de bila, são de pião, raia, futebol etc. Sempre
uma delas faz crianças e adultos aderirem nesse mergulho quase viciante. Dia e
noite estão lá, se dedicando. Outro vez o tempo não parece afetá-los, sempre
estão lá, quer seja com chuva ou sol.
As ruas das periferias
tem lógicas não comuns a outras ruas da cidade. Como por exemplo o asfalto, não
está ali para os carros. Aqui, os
moradores tomam as ruas sem medo, uma liberdade pouco afetada pelas buzinas de
carro ou moto. Sem mencionar as musicas ouvidas coletivamente por decisão
apenas de um único vizinho. A sonora da periferia é uma mescla de atitude,
empoderamento e vibração. O melhor dela você vê ao final da tarde.
E é nessas ruas,
cheias de invenção humana, de vocabulário particular, de um modo de se vestir,
andar e viver diferentes de vários outros bairros da cidade, onde vamos atuar
com o jardim das flores de plástico- ato 3. Dentro dessa periferia viva, vamos
Nó(i)s, intervir e performar numa realidade já tão pulsante e forte. Esse é o
nosso principal desafio.
Como de alguma
maneira ter ao menos a mínima atenção destes moradores já tão mergulhados nessa
desordem ordenada? Os meus anos de experiência em teatro me responderá? O fato
de ser um ator completo resolverá a questão? A superioridade do meu ser teatral
de nada servirá nestas ruas. Em outras, quem sabe, mas aqui? Duvido muito.
Humildade para
aprender, se deixar afetar para quem sabe, afetar alguém. Quem sabe assim
poderemos ter um mínimo de atenção.
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