Por Nayana Santos
Nossos debates após o espetáculo
Quase Nada, desde as primeiras apresentações, vem rendendo reflexões bem
interessantes no sentido do questionamento que o elenco traz para o espectador.
Geralmente começamos com duvidas simples do público que assistiu ao espetáculo,
como saber o que motivou o grupo a encenar um texto já montado, o que nos levou
a fazer um espetáculo em sala fechada e coisas nesse sentido, já que de início
as dúvidas sobre o funcionamento do grupo e qual a vertente que se segue
durante esses 14 anos são esclarecidas. Mas especialmente nesses últimos debates
quando o público lança suas observações e perguntas para o elenco, às mesmas
acabam voltando para quem perguntou, pois são reflexões que as pessoas que
assistiram podem responder e resolver. Diante dessa situação percebemos o
quanto é necessário esses espaços de diálogo e debate. Pessoas que residem na
mesma localidade, região e até mesmo bairro, juntas num momento que podem
conversar e expor todos os pensamentos e questões que cada um carrega em sua
vida particular. Um momento de partilha, onde se mostra as ideias prontas e que
expostas trazem mais questões para o que já estava afinado e às vezes conclui o
que ainda estava em processo de amadurecimento.
A questão da opressão e o que ela
carrega junto no espetáculo, sem dúvidas são os pontos de partida para o começo
das discussões. A partir daí, as questões de classe social, lugar do outro,
egoísmo e até machismo entram na roda para que todos compartilhem o que pensam
e como isso interfere na vida de cada um. Uma das coisas que chamaram a atenção
é como uma situação que acontece no cotidiano e somente quando é exposta por
meio do espetáculo é que podemos deixar a ficha cair e só assim nos damos conta
do quanto é danoso esse nosso egoísmo, esquecer do outro e pensar só em si.
Outro ponto interessante que foi
abordado foi a questão do que é justiça. O que consideramos justiça e até que
ponto ela nos contempla. Será mesmo que essa dita justiça age de maneira que
possamos nos sentir satisfeitos com seus resultados/punições? O que levou Sara
e Antônio a recorrer a César? O que levou Dona Vania a ir até o apartamento do
casal? A partir do momento que se percebe o que chamamos de justiça e como
buscamos ela é que vai aos poucos surgindo as situações cotidianas, o que leva
a perceber: como somos marcados pela divisão das classes sociais; como a cor
das pessoas que representam a camada mais criminalizada ainda é a da pele
escura; como tudo isso que ainda parece tão clichê e que para alguns já não tão
clichê assim, devido aos movimentos de desconstrução e afins; como tudo isso
ainda forma a sociedade que pertencemos e como estamos distantes do fim desses
estereótipos.
Dois dias de muitas opiniões e muitas
considerações importantes também. Nosso público surdo se fez presente e
bastante participativo, divulgando para os colegas e tirando suas dúvidas sobre
o que sentiram e viram. A sensação de dever cumprido tomou conta de todos no
fim do último dia. Encerramos o projeto sabendo que além de arte conseguimos
despertar desejo de questionar e de se questionar sobre a vida, o outro, os
afetos e tudo que atravessa nossa rotina. Quase Nada fez muito para o povo
aracajuano que saiu do seu mundo e deu-se para ver o do outro, através das
persianas, sentindo os silêncios e saindo do teatro com a cabeça fervilhando de
boas questões.
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